domingo, 12 de dezembro de 2010

Instituto Vingança*

Por Haroldo França
*Ler antes: "Preparar... Apontar... Ruth!"

Segunda-feira, 06 de fevereiro de 1995. Alarme acionado. Voz do além:

-Atenção, colaboradores e detentos da Instituição. Foco de incêndio detectado na Torre. Todos devem procurar as saídas de emergência. Não há motivos para pânico. A fumaça parece vir da ala da terceira série do fundamental. Mais especificamente da sala R, no décimo quinto pavimento. Repetindo: Todos devem procurar as saídas de emergência. Não há motivos para pânico!

A voz vinda dos altos foi substituída por uma tranquilizante canção gospel, típica dos momentos de lazer institucional.

O meu barco
Vai firme ao porto seguro (uhh)...

O fogo se alastra. Centenas de crianças, fardadas de cinza, se confundiam com o cinza das cinzas, entre choros e gritos de horror.

...Pois seu rumo
Está sobre as mãos de Jesus...

Uma janela se abre, no décimo quinto andar. De lá, um cadáver pula. É o corpo da nova professora. Está sem um dos olhos. O outro está aberto, assim como a boca, a garganta e o peito. No que resta de rosto, a expressão congelada da perplexidade. Os compridos cabelos soltos, ao vento. Os sapatos, de salto alto, firmemente amarrados nos tornozelos. O corpo gira no ar, cortando a nuvem de fumaça, como uma bailarina. E entre gotas de sangue e fagulhas luminosas de fogo, a nova professora pousou no correr voraz das crianças. Foi pisoteada.

Caminhando
Nas águas geladas da Terra
Sinto o calor
Daquele que a tudo liberta...

Pelo chão de um dos corredores, alguns corpos de crianças asfixiadas. Soldados vasculham todas as salas. O ambiente está tomado por fumaça. Praticamente, não se enxerga nada. As câmeras de segurança, então, não registram a entrada de uma figura bastante chamativa: Horácio. Apesar da cadeira de rodas e da obesidade mórbida, passa despercebido. No colo, uma mochila, com um presentinho-surpresa dentro. O plano parece estar funcionando.

***

Quarta-feira, 06 de fevereiro de 1980. Sala da terceira série H. Na aula de Iniciação ao Comportamento Cristão, o pequeno Horácio se sentia confuso.

-Alguma dúvida, crianças? - Perguntou a velha professora.

Horácio levantou a mão.

-Alguma dúvida, meus queridos?

Horácio continuou com a mão levantada.

-Eu, professora!

-Bem, como não há dúvidas, vamos ao próximo tópico da aula de hoje. Vão até a página 714, versículo 16...

Foi nesse dia, há exatos 15 anos, que Horácio percebeu. Ele sofre de invisibilidade.

***
O meu barco
Vai firme ao porto seguro (uhh...)
Pois seu rumo
Está sobre as mãos de Jesus...

Os olhos de Horácio carregam duas chamas vivas de fogo. Ele ergue um isqueiro no ar, e o acende. Com os dentes cerrados, e o olhar perdido no meio da fumaça, questiona:

-Professora? Oi, professora! Será que a senhora consegue me ouvir agora? Hein? Consegue? Olha pra mim, professora! Olha pra mim, porra! Eu tenho uma dúvida, professora. Por que a senhora não morre?

Com as mãos trêmulas, Horácio engole algumas pílulas. Respira fundo, e se recompõe. Feição neutra. Por dentro, está vibrando de alegria. A pequena Ruth empurra a cadeira de rodas com uma das mãos, e com a outra, segura sua pistola - já recarregada. Sobre as coxas gordas de Horácio, que já não sustentam seu peso, está um visor eletrônico, que marca 15:00:00. Calmamente, a dupla pega um elevador, rumo ao topo da Torre em chamas. Essa pocilga vai ter que levar um fim. Ah, vai. E vai ser hoje!

(Continua)

sábado, 11 de dezembro de 2010

Sobre Pieguice e Magia

Por Haroldo França

Pela janela, uma corrente de ar me acaricia. Fecho os olhos, e sou transportado para um novo mundo. Os pássaros, que namoram os edifícios, sabem do que eu estou falando. O Sol, que lambe os telhados, entende como eu me sinto. Eu me sinto tão bem. A brisa, beijando o meu rosto, me confidencia que há um novo amanhecer, um novo dia, uma nova vida pra mim.

Não é algo que se possa expressar em palavras. Talvez em um profundo e aconchegante silêncio, que traduza o sabor de um encontro mágico entre olhares. Os peixes no rio, quando nadam, entendem do que eu estou falando. O rio, quando corre livre, sabe o que eu sinto. Libélulas urbanas se divertem, percebendo que eu finalmente entendi. Agora, sou parte disso tudo. Sim! Agora, sou.

A chuva desce sobre o asfalto em câmera lenta. Desliza sobre ele de modo sensual, deixando mordidas suaves no caminho. O orvalho das folhas, no dia segunte, não me deixa mentir. As flores desabrocham e entendem como eu estou me sentindo agora. Borboletas, então, sapateiam pelos ares. Dançam, como se ninguém as pudesse ver.

Eu me sinto tão bem! Estrelas no céu sorriem, deslumbradas. Este velho mundo é um mundo novo. Um corajoso mundo. Um ousado amanhecer de um novo dia. Uma nova vida pra mim.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Do findar-se

(Por Leandro Oliveira)

É um não querer, mais que bem querer, ou não querendo de fato. Ele insiste sempre naquilo que de cara não gosta. Tudo que é gelado, gosto amargo, dá coceira quando jogado na cara. Não se sente parte, não se encontra, mas alguma coisa o prende aquela realidade que findara só então.

Findou. Acabou. Escafedeu-se. Passou. U-HUL!

Estranho foi passar aquele tempo ali, semi-inerte, com a sensação de que frutos poderiam ter rendido em outra plantação. Ah, vício de insistir em qualquer coisa que não se sabe onde pisa. Dá nisso. Esse querer – não querendo. Essa vida de mão dupla. Essa agonia.

Mas agora teve fim. Puf. Créu. Ping. Pong. Bluft.

Opa! Escorreu das mãos que quase não se possui um insistir. E este, tão viciado nisto, aprende hoje que desta vez não. Jamais. Não se pode. Não se mede nem define. Não vai.

O insistir deste jovem mancebo de bochechas rosadas, sorriso espontâneo e caráter duvidoso volta o seu canalizar, após longas madrugadas vagas, aquilo que sempre: a) Movimentou. b) Impulsionou. c) Alavancou. d) Amou.

É isto, não-querer. Falou pra ti. Dê-me uma ponte à paixão e eu te darei o mundo.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Jogo maquinal

(por Delianne Lima)

Criança em uma loja de brinquedos, louca de empolgação e vontade de cada um. Num dado momento, os pais deixam o filho brincando enquanto vão olhar outros produtos.

Há uma fila de brinquedos, todos em pé, um do lado do outro.

O menino começa a apertar o nariz de um, que solta: TUNTZ! Espantado, aperta o ombro, que faz: HEIN? Começa a ficar curioso, e aperta as "saboneteiras": MUAAHAHAHA! Já com medo, o menino dá um tapa na bochecha do boneco, que grita: AAI! Então, começa a brincar com os sons diferentes:

A-HAU
TUNTZ TUNTZ TUNTZ
MUAHAHAHA
HEIN? HEIN? HEIN? HEIN? HEEEIN?
AAAAI TUNTZ
MUAHA HEIN?
A-HAU MUAHAHA
HEIN? TUNTZ A-HAU TUNTZ A-HAU

Até que o boneco solta sons engraçados e estranhos. Os efeitos sonoros começavam a sair instantaneamente, sem a ajuda do garoto. Este último, correu chamando pelos pais.

O brinquedo tinha entrado em curto-circuito.

domingo, 31 de outubro de 2010

Preparar... Apontar... Ruth!

(Por Haroldo França)

Segunda-feira, 06 de fevereiro de 1995. A sirene tocou, e todas as escadarias da Instituição foram tomadas por uma imensa nuvem cinza. Eram crianças de várias idades, vestidas com seus uniformes cor-de-fumaça. Volta às aulas. O chão tremeu, como se uma manada de elefantes estivesse invadindo o quarteirão. Era a hora do recreio.

No décimo quinto andar da Instituição, a nova professora, na sala de aula da terceira série R, aproveitou para retocar a maquiagem. Mas algo a incomodava. Era a pequena Ruth, que se mantinha sentada na sua carteira, ao fundo. Olhar fixo na professora. Ô, molequinha esquisita!

Todos os dias eram assim. Desde ano passado. Todas as crianças desciam pra brincar, menos Ruth. Ninguém parece gostar dela. Talvez por ser tão... estranha. Ninguém nunca ouviu a sua voz. Ninguém nunca viu os seus pais. Apenas a vêem entrando em um carro cinza, pontualmente, depois que a aula termina. Todos os dias. Quando seu nome é mencionado, na hora da chamada, ela não diz nada. Apenas ergue um isqueiro no ar, e o acende. É o suficiente. Todos fingem já terem se acostumado com Ruth, mas a verdade é que ninguém nunca a engoliu. Todos se sentem incomodados com sua presença. Com sua existência. Sobretudo os professores. A nova professora estava começando a sentir isso. No fundo, o que todos sentem em relação à garotinha é medo. Um estranho medo do existir.

E Ruth permanecia lá, sentada. Calada, com os olhos cravados como dentes, nos olhos da professora. E não piscava. Aliás, não parecia sequer respirar. Pálida, como porcelana. A professora, então, tentou se distrair com algum livro. Uma revista. Um catálogo de cosméticos. Os Classificados. Mas não conseguia se sentir em paz, com aquela presença tão incisiva. E Ruth permanecia lá, sentada. O olhar fincado como um prego, martelando no meio da testa da nova professora, que, já não aguentando mais aquilo, resolveu tentar uma aproximação.

-Oi! O seu nome é Ruth, não é? É o nome da minha avó, sabia?

Ruth não gosta quando insinuam que seu nome é de velha. Apontou uma arma de fogo para a professora, e disparou seis tiros. Um deles atingiu em cheio o olho esquerdo da mulher. Pobre e ingênua proletária. Ruth viu o corpo deslizar devagar até o chão, deixando um rastro vermelho no quadro magnético. A menina, então, segurou seus livros com o braço esquerdo, e subiu em cima da carteira, erguendo, com a mão direita, o isqueiro aceso. Era a Estátua da Liberdade. Cinza. Gigantesca. E o olhar atado ao quadro, a contemplar sua sanguinária obra de arte.

Permaneceu lá, naquela posição, esperando o som da sirene de fim de recreio ressoar pela Instituição.


quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Regina e o Vento

(Por Haroldo França)

Regina caminhava pela calçada, cabisbaixa. Seu andar desengonçado deixava pelo caminho gotas quentes de si. Os raios fulminantes do Sol traziam consigo opressão e violência. Ela continuava a caminhar, destemida. Cabisbaixa e desengonçada; porém, destemida. Já não sabia há quanto tempo estava entregue àquele caminhar. Lentamente, caminhar. De súbito, foi surpreendida por uma corrente de ar gelado, que atravessou seu corpo, a fazendo parar, por um instante, e ouvir, quase dentro de si, um sussurro:

-Por que você anda assim, tão triste, Regina? Eu não entendo...

Fechou os olhos. Sentiu seus poros respirarem, como não sentia há tanto tempo. Quando se pôs a enxergar novamente, viu que o Céu estava sendo tomado por nuvens escuras. A temperatura começou a cair. E ouviu novamente o sopro:

-E se eu cantasse uma canção de ninar pra cidade inteira ouvir? Você se sentiria em paz?

Sentiu o primeiro pingo em si. E a gota desceu sobre sua face como acariciar de mãe. Céu rugiu ferozmente, como leão, intimidando o Sol, os carros e os transeuntes. A cidade inteira se esvaziou. Todos se esconderam, e todas as portas e janelas se fecharam, para que o encontro pudesse acontecer. Regina e o Vento. Vento e a Regina.

-E se eu te beijasse onde você está machucada? E se eu beijasse onde você sente dor? Você se sentiria melhor?

Regina continuou seu caminhar. Mas seus pés já não tocavam o chão. Vento beijava-os, com vigor. E Regina dançou pelos ares. Dançou como louca. Rindo. E as nuvens a levaram consigo para um encontro com as águas de outubro. Era o fim do Verão.

domingo, 24 de outubro de 2010

O filho dos Rebouças

(Por Haroldo França)

O Sol entrando pela janela como o resquício de um sonho. O filho dos Rebouças abriu os olhos devagar. Ouviu o som da campainha. Ding. Dong. E algo que veio de dentro de si o fez sentir vontade de se levantar. Mas ele ficou lá. O som da campainha ainda ecoando. E algo que veio de dentro de si o fez sentir vontade de salivar... E ele ficou lá. Babando no travesseiro. O sol tocando em sua pele. E ele lá, babando no travesseiro. O filho dos Rebouças era distante e nublado, como um sonho. Tinha o céu nos olhos, fechados, comprimidos sobre a nuvem úmida que os acolhiam.


O Sono.

Os coveiros estão ficando presos na máquina! Eles são muito numerosos, e dançam com suas pás entre as engrenagens, fazendo a terra molhada ser lançada contra os ventiladores, e eu os ouço repetirem meu nome, harol-dô, harol-dô, harol-dô-dô-dô- Eu estou colocando as pedras na orelha esquerda, mas com a direita ainda posso ouvir. E vou repetir só mais uma vez: Se eu ouvir mais uma canção gospel, vou cavar até a Babilônia. Quero uma cerveja!


Ding.

Dong.

-Bom dia. Meu nome é Haroldo. Sei como se sente. Eu moro no andar de baixo. Eu ouço você tirando o seu lixo. Eu ouço você com os seus namorados. Eu ouço você com você mesmo, também. Eu ouço você dando descarga na privada. Eu ouço você desligando seus pensamentos. Eu desligo os meus, também. Tem momentos, no meio da noite, que a única coisa que eu ouço é você... e... me desculpe a sinceridade, mas... você não soa legal. Sei lá, você não soa certo. Não soa bom. Eu sempre ouço você desligando seus pensamentos, e fica tudo quieto... Tudo tão quieto! Tão calmo, como uma sirene de polícia checando a nossa vizinhança, esperando que alguma lâmina deslize ou que alguma bala se lance para um golpe final, mas nada acontece. Nada! Nada...


O Sonho.

Os coveiros estão ficando presos na máquina! Eles dançam com suas pás entre as engrenagens! Eu os ouço repetirem meu nome, alfre-dô, arnal-dô, ziral-não!, harol-ah!, não-dô, não-dô! Sim, a lama voa pelos ares, e as pedras invadem os meus ouvidos por ambos os lados, mas eu ainda posso ouvir, ainda posso ouvir, ainda posso ouvi-i-i-i- E se eu ouvir mais uma música sobre anjos, veja bem, veja meu bem, vou repelir pela última vez, eu vou cantar até a Babilônia, e quero minhas cervejas, quero minhas cervejas, quero minhas cervejas now!


O Despertar?

O filho dos Rebouças era distante e nublado, como um sonho. A saliva no travesseiro. E a água escorrendo pela torneira:

Fevrale dostat chernil i plakat
Pisat O Fevrale navsnryd
Poka grohochushaya slyakot
Vesnoyu charnoyu gorit

Eram as lágrimas de Fevereiro, tentando levar embora as manchas negras da primavera.


O Desperdício.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

hein?

PORQUE DIABOS EU SINTO TANTA SAUDADE?

PORQUE? PORQUE? PORQUE? PORQUE?

PORQUE? PORQUE? NÃO DEVIA SENTIR

NENHUMA SAUDADE, NENHUMA

NENHUM TIPO, NEM COR

NÃO DEVIA SENTIR

A ODEIO

AMO.





enviar.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Por dias mais roxos

(Leandro Oliveira)

Sabe quando acontece!? Sabe quando tu sentes que acontece, e não podia ter sido diferente, e a tua imaginação se esvai sempre que pensas nisso, num misto de algo tão gostoso que simula um gozo trans©ênico, bom, risonho e límpido?

É, foi.

Naquela manhã embriagada, madrugada de verbos sinceros e imprecisos, naquele sofá de balada, nas ladeiras, Vila, quarto, bagunça, cheiro, pizza, USP. Aconteceu.

E numas horas interminavelmente curtas tive gotas do melhor fim de semana do ano, e isto representa tanta coisa. Na cama pequena, bagunçada, devem ainda ter vestígios de abraços tão apertados que deveriam nos grudar para sempre, beijos infinitos que duraram um instante, sorrisos que parecem mais caminhos – trilhas – portas que eu devo seguir direto, garganta abaixo, chegando no infinito vago, mas repleto da tua essência, que provavelmente me deixará tão feliz e completo algum dia, que nem todas as mãos no rosto, carinhos, mordidas e narizes poderão sintetizar esta completude.

Há tempos não me sentia tão sincerolóide. E a necessidade disso a partir de agora me faz vir aqui vomitar, golfar, extrair tudo o que o desejo de gritar me impõe e é tolido. Foram dias lindos, em que teu corpo se transfigurou em mapa, solução, e meus guias foram olhos, língua, pulsação, construção, viver.

Vou lembrar, sempre, desde a garrafinha d’água até a camisa quadriculada. Do cabelo aos pés. Da balada ao quarto. De fora para dentro. Do eu ao nós. De mim para ti.

Os melhores dias deste ano hão de se repetir. E espero que sejam sempre assim, com um olhar de quem não te verá nunca mais.

Minha vida parece mais roxa desde então. E, acredite, ela nunca foi assim.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Meio-Dia-Belém

As moléculas vibram, nervosas, com o fogo que desce dos céus, diariamente, em prenúncias cotidianas do Apocalipse. As nuvens se abrem, e mil demônios de lava aterrisam na superfície flamejante da cidade, agarrando-se ferozmente nos corpos suados dos transeuntes. Pobres infelizes! O incêndio invade as veias, contamina o sangue, os órgãos, o cérebro. Arranca do coração o amor. O calor não é humano. Ele maltrata, debilita, desabilita. Destrói.

Ó, ar-condicionado! Soprai por nós!

(Por Haroldo França)

sábado, 3 de julho de 2010

Sete versus Júlia

(Por Haroldo França)

1. Júlia não tem um dos sapatos. Júlia entrando pela porta.
2. Júlia sorri com as gengivas. Júlia gosta de conhaque.
3. Júlia escorregando em câmera lenta. Júlia não usa calcinhas.
4. Júlia cai, Júlia levanta. Júlia pagando peitinho.
5. Júlia rodopia no pole dance. Júlia é moinho de vento.
6. Júlia cheira-cola. Júlia porra-louca. Júlia vaga-bunda.
7. Júlia vai ser mamãe. Júlia, amarrada 3x.

Este é o dia da morte de Júlia.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

E-mail Rural

(Por Haroldo França)

Querida Mimosa,

Escrevo para dizer que sei que estás com saudades. Mas eu, não.
(Brinks!)

Sei que as coisas por aí não andam muito bem. Por aqui, tento fingir que está tudo ótimo... Mas, no fundo, eu e você sabemos que não está. Você me entende, né? Quero que saibas que, mesmo longe de você, consegui enfrentar meus problemas, e defecar em cima deles, que nem me ensinastes a fazer naquele dia, no pasto. Mas ainda não consegui lidar com o mau cheiro que fica, depois. =/

Amanhã, estou indo até o rancho, encontrá-la. Lembra do nosso último encontro? Nunca pensei que tivéssemos tanta coisa em comum. Nunca tinhas me dito que tocavas percussão tão bem, com o focinho. Foi divertido dançar com você. Lembro, como se fosse ontem, das crianças cantando... Faz tanto tempo, né? Quem diria.... Eu, amigo de uma vaca! Não fique ofendida, não digo isso de forma pejorativa. Digo vaca, no sentido animal da palavra; não no sentido humano - aí sim, seria ofensivo. A nossa amizade fez parte de uma evolução pessoal - até espiritual - minha, eu diria. Aconteceu em uma época em que as coisas pareciam estar se encaminhando. Pareciam.

Preciso de sua ajuda, Mimosa. Estou com muitas dúvidas quanto ao rumo que devo dar às coisas, aqui na cidade. Tenho medo. Preciso de você. Sei que sempre acordas olhando para o Sol. Preciso disso. Preciso conversar com você, com o Sol, com o Alazão, a Garoa, o Salém, o Louro, o Toddy, o Mateus, o Rafael, a Duda, e todos os outros. Sinto falta.

Tudo na natureza vive. Amém.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Coração!

(Por Haroldo França)

Eu sinto tanta falta de você. Sinto tanta falta de vir pra cá, e abraçar a você e a seu pai. Passo o dia lá, trabalhando, tentando resolver aqueles outros problemas. Ontem, eu passei o dia todinho pensando em ti, meu filho. Lembrando de quando você era criança. Era tão cheio de fé! Vivia pedindo pra ser batizado, mesmo antes do tempo. E nem venha me dizer que isso não é verdade, porque eu não estou mentindo! Você tem que escutar o que a sua mãe fala. Eu te amo tanto. Não consigo passar muito tempo longe de você. Se você for estudar em outra cidade, eu vou junto, tá? Quer morar com a mamãe? Risos...

Sabe, meu filho, a vida é assim. As pessoas crescem, e acabam tomando rumos. São puxadas por coisas que ouvem, aqui ou acolá. O inimigo prepara diversas armadilhas. Chega uma hora que a gente cria nossas próprias convicções, nos afastando da palavra de Deus. Não precisa fazer essa cara. Isso, não sou eu quem diz. É Ele. Eu sei que, mais cedo ou mais tarde, Ele vai tocar em seu coração. Pois eu sei o filho que tenho. Você não é nada disso, meu amor.

Filho, eu só quero te pedir uma coisa. Tenha temor. É muito ruim a gente andar desprotegido, sabe? Nós precisamos tanto da proteção do Altíssimo... e eu temo tanto por você, meu filho. Acredite na sua mãe. Ninguém ama mais a você do que eu e seu pai. Nem os seus amigos. Nós somos os seus melhores amigos.

Ontem, eu sonhei com você, de novo. Mas, dessa vez, não foi como aquele sonho feio, do outro dia. Aliás, prefiro nem lembrar daquele. Sonhei que você chegava comigo e com seu pai, e dizia que ia se casar.

Shhh. Fique tranquilo. Não chore. As coisas vão melhorar, meu filho. Basta que você tenha fé.

Eu te amo mais do que nunca.

domingo, 27 de junho de 2010

O horizonte esmagador das gélidas paredes brancas e desalmadas

(Por Haroldo França)

Hoje, eu moro só. Essa, aqui, é a minha nova casa. Eu gosto de ambientes assim, espaçoooooosos! Os móveis ainda não vieram. Bom, um dia eles vão chegar. Por enquanto, durmo naquele colchão ali, no canto. Pra mim, tá ótimo. Sempre quis isso. Viver livre. Viver pra mim. Não ter hora pra dormir, não ter hora pra voltar pra casa, nem pra lavar a louça. Nem pra tomar banho. Livre! Ah, e esse aqui tem sido o meu melhor amigo: o notebook. Posso ouvir as minhas músicas sossegado, e falar com a galera de Belém. Sim, me mudei de Belém. Até que enfim, né? Não sofro mais com todo aquele calor, nem com a gente mal educada. Freqüento festas ótimas, e não encontro, sempre, as mesmas pessoas. Aliás, aqui as pessoas são bem mais bonitas - e isso é muito importante! Hoje, eu transo muito. Risos! Transo em casa! Meus pais não estão aqui para decidir com quem querem que eu me relacione, e nem pra falarem de religião - graças a Deus! De vez em quando falo com eles, por telefone. Eles perguntam das novidades, e eu digo que está tudo bem. Aí, eles tocam naqueles assuntos chatos, e... bem... Ah! O mestrado também tá ótimo! A universidade tem estrutura; não enfrento ônibus lotados; e o mercado de trabalho, aqui, é bem melhor. Só tô com um pouquinho de dificuldade de fazer amigos novos. As pessoas parecem meio fechadas. Mas, nada que não se resolva com o tempo, né?

Ah, isso aqui, pingando? Não é nada, não. É que ontem, eu fui fazer a barba, e... não sei, acho que fiz de mal jeito, coloquei muita força... Ficou feio, né? Risos... Tentei estancar com papel higiênico, mas não adiantou muita coisa. Fazer o que, né? Resolvi deixar escorrer...Um dia, vai parar de sangrar.

Eu acho.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

É uma pena.

(Por Haroldo França)

Ninguém pode perder as incríveis promoções que transitam entre os gols do Brasil na copa e a máxima do feudalismo burguês. É uma pena. É uma pena que ninguém seja capaz de entender que tudo isso é apenas um  meio para se chegar ao ápice do freudianismo alemão condensado como bolhas viúvas de sabão. Quem faz sabão com as viúvas? A resposta é simples; Quem as come. E quem come sabão, meu rapaz, não é digno de confiança. Doravante, existem pequenas glândulas mamárias em minha cabeça que eu gostaria de tirar ATRAVÉS (sim, eu gosto de usar esse termo) de cirurgias plásticas. Se conseguir meu salário mínimo, farei não apenas um maravilhoso cruzeiro pla África, mas também maravilhosos dólares. Pegarei todo esse dinheiro e farei muitas cirurgias plásticas na minha vida, sem anestesia.

-Boa tarde, doutor.
-Qual a sua graça?
-Valdomiro Diniz.
-É um belo nome.
-Melhor ainda é o nome da minha mãe: Cocota.
-Tenho em me jardim uma bela plantação de cocotinhas.

(os dois riem de lado)

-Então, Vavá, me diga, o que está acontecendo?
-É a minha vida, doutor...
-Realmente, vejo que há uma pequena assimetria...
-Preciso dar uma recauchutada geral.
-Acho que aqui, na mãe, podemos cortar um pouco de excessos. Nas filhas, um pouquinho de silicone não faria mal. Faremos também uma vaginoplastia em seu avô.
-Mas ele está morto.
-Por isso mesmo! E suas tias serão amarradas com fio russo.
-Está certo disso?
-Posso perguntar?
-Risos.
-E aqui, nas suas covas, colocarei uns punhados de terra, e embaixo deles estará o cadáver.
-Que cadáver?
-Aquele, que te pegou atrás do armário!

E assim caminha a humanidade. Pena.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Minha pequena Eva

(por Delianne Lima)

Saí da sala e senti tanta energia. Energia fluindo e só. Os gritos, o "telemarketing". A Eva queria ser Lady Gaga.

"Polishop, boa tarde.
Você gostaria de conhecer o nosso mais novo produto, a câmera Tecpix?
Ela tem 10 megapixels e filma, e grava e faz de tudo que você imaginar. Aproveite nossa promoção: são apenas 9 pequenas parcelas, minha querida. / Gostaria de nos repassar o seu contato para confirmarmos? / Ok, a Polishop agradece!"

Sobrancelhas cerradas. Piscadas lentas, bem lentas, demonstrando contida impaciência. Olhar de ódio e gestos contidos. Mexe nos cabelos, gostaria de dar um soco. Responde. Responde com eficiência raivosa. Queria ser atriz.

Estalar de dedos, respiração forte. Boca e músculos contraídos.

Eva me lembra sentido e porque. A busca de um fato qualquer que mude completamente o rumo da sua vida. Um sonho qualquer. Um sonho qualquer não, mas apenas um. Um específico. Queria tanto.

Logo me lembro da batalha bruta contra a rotina enlouquecedora, que tira a vontade e sentido de algumas vidas. Também me veio à mente o conto "O Corpo", de Clarice Lispector. As duas protagonistas procuram loucamente um fator que as leve à loucura e à uma realização pessoal que se torna grande meta.

Eva me lembra música.

Esse é o teste. O teste dos porquês.

domingo, 4 de abril de 2010

Você

(Por Delianne Lima)

- Tudo bem, boa noite pra você.
- Pra você também. E vê se você não me chama de você.
- Ué, e como vou chamar você?
- Não sei, arruma um jeito. Não gosto que você me chame de você.
- Porque já?
- Acho feio. Parece raiva ou indiscrição. Até mesmo má educação.
- Ora, mas veja você... má educação?
- Isso mesmo. Sempre achei feio conversação que incluísse o 'você'. Parece pouco confiável, sem interação, aproximação.
- E pergunto de novo, como chamo você?
- Me chame pelo meu nome. Ah, não. Prefiro que não. Não gosto do meu nome. Parece raiva, indiscrição.
- Para as patavinas, você e seu você. Haja frescura nesse mundo!
- Não, não diga frescura. Diga manias. Senão parece raiva, indiscrição...
- FRESCURA, FRESCURA, FRESCURA! Você merece é uma cadeira na tua cara, logo após de um tabefe bem dado.
- Não, se eu fosse você não faria isso.
- Porque?

(assobio de um vento)

- Cadê você?

segunda-feira, 22 de março de 2010

Michele

(Por Delianne Lima)

Andava de saltos grandes e barulhentos, parecidos com os pertencentes às madames dos anos 50. Só que ela era excêntrica. Seus passos escorregadios quase a deixavam cair. Seu ritmo confundia-se com dança, apesar de desengonçados. Alguns diziam que tinha cabelos de palha-de-aço. Mas poucos sabiam do enorme cuidado que dedicava às suas madeixas negras.

Não sei dizer o porque, mas Michele me lembrava pinguins. Acho que sei porque, na verdade. Era algo em seu rosto, em seu sorriso. Era engraçada em muitos aspectos. Mas me lembrava pinguins.

sábado, 20 de março de 2010

Sobre Voar

(Por Monique Malcher e Haroldo França)

Em meio a barbitúricos, latinhas, plásticos e todos os 'não quero mais' dos outros, lá estava ele, mais um 'não quero mais', vivo, latente, pessoa.

Suas perninhas eram magras e pareciam ossinhos de galinha em meio a tantos sacos de lixo. Seus olhos eram cheios daquele vazio que se sente quando os pés adormecem. O líquido que saia de suas narinas minúsculas havia secado na pele queimada do rosto. Os ombros eram cheio de mordiscados que sangravam vez ou outra, sua respiração chiava como o rádio de quem procura uma estação tocando Lamento Sertanejo do Gil e as linhas de suas mãos eram tão finas quanto sua chance de sobreviver.

Uma criatura se aproximou. Aquelas penas negras, aquele bico rijo, urubu, foi se aproximando, arisco e curioso. Chegava cada vez mais perto, atraído pelo cheiro de placenta e de sangue. Quando ia tascar o bico feroz, fazendo o que seria convencional, as mãos daquela criaturinha lhe coçaram a barriga. Como um cão bobo, sua cabeça de urubu tombou levemente para a direita, em sentido de admiração. Nesse momento, um novo mundo foi descoberto. Um mundo onde urubus falam e crianças podem voar. Nesse momento, se formava uma família.

Carniça, batizado de cara, tinha então encontrado seu lar.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Tô só

Vamo brincá de ficá bestando e fazê um cafuné no outro e sonhá que a gente enricô e fomos todos morar nos Alpes Suíços e tamo lá só enchendo a cara e só zoiando? Vamo brincá que o Brasil deu certo e que todo mundo tá mijando a céu aberto, num festival de povão e dotô? Vamo brincá que a peste passô, que o HIV foi bombardeado com beagacês, e que tá todo mundo de novo namorando? Vamo brincá de morrê, porque a gente não morre mais e tamo sentindo saudade até de adoecê? E há escola e comida pra todos e há dentes na boca das gentes e dentes a mais, até nos pentes? E que os humanos não comem mais os animais, e há leões lambendo os pés dos bebês e leoas babás? E que a alma é de uma terceira matéria, uma quântica quimera, e alguém lá no céu descobriu que a gente não vai mais pro beleléu? E que não há mais carros, só asas e barcos, e que a poesia viceja e grassa como grama (como diz o abade), e é porreta ser poeta no Planeta? Vamo brincá

de teta

de azul

de berimbau

de doutora em letras?

E de luar? Que é aquilo de vestir um véu todo irisado e rodar, rodar...

Vamo brincá de pinel? Que é isso de ficá loco e cortá a garganta dos otro?

Vamo brincá de ninho? E de poesia de amor?

nave

ave

moinho

e tudo mais serei

para que seja leve

meu passo

em vosso caminho.*

Vamo brincá de autista? Que é isso de se fechá no mundão de gente e nunca mais ser cronista? Bom-dia, leitor. Tô brincando de ilha.

(Hilda Hilst)


Sei que não é a proposta, mas aí foi. Aliás, temos uma proposta clara?

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Alô, alô papai!

Por Leandro Oliveira

E ela se formou em Biomedicina. E vai tentar.
E este se formou em Engenharia Química. E vai tentar.
Caminho sem jeito de graduação que não satisfaz, não segura, é tensa, feia, disforme.
Se livrar de uma obrigação é algo tão visceral que deveria ser experimentado uma vez a cada quatro anos. O tempo de uma (sofrida) graduação. Maldita graduação. Que morram todas as titulações.

O legal mesmo é o alô papai, alô mamãe.

E ser feliz por pelo menos ter tentado. Isso é viver sem tempos mortos.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

2009

Encerro essa página branca com uma lágrima, uma gota vermelha, que antes de chegar em meus olhos, passou por maus bocados nos meus tecidos viscerais. Uma amostra de mim, que me tem acompanhado por muito tempo, carregando consigo minhas consequências genéticas e imunológicas. Uma gota, que se deixa absorver pelo papel, para mostrar o quanto, nesses dozes meses, fui víscera, suor e espírito.

Qual é o teu papel?

Por Haroldo França

Nessa folha em branco, eu vou viver uma experiência de paixão e medo. Vou materializar traumas e vícios. Vou entrar em uma arena de confissões e amores, de caminhos e descaminhos. De entrega grupal.

Este papel vai transportar para todos eles o que eu tenho de mais intenso, íntimo e frágil. Vou me entregar para essas pessoas, tirar a roupa, e mostrar cada cicatriz, cada ferida aberta, e entrar num orgasmo coletivo que vai deixar a orgia cada vez mais cruel.

Quando criança, corri atrás do ônibus e me agarrei em um frango. Tenho medo de água. Roubei bolachas da secretaria. Tenho medo de perder quem eu amo. Estou cheia de buraquinhos. Meu pai me espancou. Eu tenho um sonho. Não consigo chegar a lugar nenhum. Sou um barquinho solitário, no oceano. Sou um falo. Um leque. Um sanduiche. E eu estou aqui me entregando, lutando por um grande sonho, um tesão incontrolável, uma paixão arrebatadora: O jogo.

Mamãe, vai dormir, porque você tem que acordar cedo amanhã.