domingo, 12 de dezembro de 2010

Instituto Vingança*

Por Haroldo França
*Ler antes: "Preparar... Apontar... Ruth!"

Segunda-feira, 06 de fevereiro de 1995. Alarme acionado. Voz do além:

-Atenção, colaboradores e detentos da Instituição. Foco de incêndio detectado na Torre. Todos devem procurar as saídas de emergência. Não há motivos para pânico. A fumaça parece vir da ala da terceira série do fundamental. Mais especificamente da sala R, no décimo quinto pavimento. Repetindo: Todos devem procurar as saídas de emergência. Não há motivos para pânico!

A voz vinda dos altos foi substituída por uma tranquilizante canção gospel, típica dos momentos de lazer institucional.

O meu barco
Vai firme ao porto seguro (uhh)...

O fogo se alastra. Centenas de crianças, fardadas de cinza, se confundiam com o cinza das cinzas, entre choros e gritos de horror.

...Pois seu rumo
Está sobre as mãos de Jesus...

Uma janela se abre, no décimo quinto andar. De lá, um cadáver pula. É o corpo da nova professora. Está sem um dos olhos. O outro está aberto, assim como a boca, a garganta e o peito. No que resta de rosto, a expressão congelada da perplexidade. Os compridos cabelos soltos, ao vento. Os sapatos, de salto alto, firmemente amarrados nos tornozelos. O corpo gira no ar, cortando a nuvem de fumaça, como uma bailarina. E entre gotas de sangue e fagulhas luminosas de fogo, a nova professora pousou no correr voraz das crianças. Foi pisoteada.

Caminhando
Nas águas geladas da Terra
Sinto o calor
Daquele que a tudo liberta...

Pelo chão de um dos corredores, alguns corpos de crianças asfixiadas. Soldados vasculham todas as salas. O ambiente está tomado por fumaça. Praticamente, não se enxerga nada. As câmeras de segurança, então, não registram a entrada de uma figura bastante chamativa: Horácio. Apesar da cadeira de rodas e da obesidade mórbida, passa despercebido. No colo, uma mochila, com um presentinho-surpresa dentro. O plano parece estar funcionando.

***

Quarta-feira, 06 de fevereiro de 1980. Sala da terceira série H. Na aula de Iniciação ao Comportamento Cristão, o pequeno Horácio se sentia confuso.

-Alguma dúvida, crianças? - Perguntou a velha professora.

Horácio levantou a mão.

-Alguma dúvida, meus queridos?

Horácio continuou com a mão levantada.

-Eu, professora!

-Bem, como não há dúvidas, vamos ao próximo tópico da aula de hoje. Vão até a página 714, versículo 16...

Foi nesse dia, há exatos 15 anos, que Horácio percebeu. Ele sofre de invisibilidade.

***
O meu barco
Vai firme ao porto seguro (uhh...)
Pois seu rumo
Está sobre as mãos de Jesus...

Os olhos de Horácio carregam duas chamas vivas de fogo. Ele ergue um isqueiro no ar, e o acende. Com os dentes cerrados, e o olhar perdido no meio da fumaça, questiona:

-Professora? Oi, professora! Será que a senhora consegue me ouvir agora? Hein? Consegue? Olha pra mim, professora! Olha pra mim, porra! Eu tenho uma dúvida, professora. Por que a senhora não morre?

Com as mãos trêmulas, Horácio engole algumas pílulas. Respira fundo, e se recompõe. Feição neutra. Por dentro, está vibrando de alegria. A pequena Ruth empurra a cadeira de rodas com uma das mãos, e com a outra, segura sua pistola - já recarregada. Sobre as coxas gordas de Horácio, que já não sustentam seu peso, está um visor eletrônico, que marca 15:00:00. Calmamente, a dupla pega um elevador, rumo ao topo da Torre em chamas. Essa pocilga vai ter que levar um fim. Ah, vai. E vai ser hoje!

(Continua)

sábado, 11 de dezembro de 2010

Sobre Pieguice e Magia

Por Haroldo França

Pela janela, uma corrente de ar me acaricia. Fecho os olhos, e sou transportado para um novo mundo. Os pássaros, que namoram os edifícios, sabem do que eu estou falando. O Sol, que lambe os telhados, entende como eu me sinto. Eu me sinto tão bem. A brisa, beijando o meu rosto, me confidencia que há um novo amanhecer, um novo dia, uma nova vida pra mim.

Não é algo que se possa expressar em palavras. Talvez em um profundo e aconchegante silêncio, que traduza o sabor de um encontro mágico entre olhares. Os peixes no rio, quando nadam, entendem do que eu estou falando. O rio, quando corre livre, sabe o que eu sinto. Libélulas urbanas se divertem, percebendo que eu finalmente entendi. Agora, sou parte disso tudo. Sim! Agora, sou.

A chuva desce sobre o asfalto em câmera lenta. Desliza sobre ele de modo sensual, deixando mordidas suaves no caminho. O orvalho das folhas, no dia segunte, não me deixa mentir. As flores desabrocham e entendem como eu estou me sentindo agora. Borboletas, então, sapateiam pelos ares. Dançam, como se ninguém as pudesse ver.

Eu me sinto tão bem! Estrelas no céu sorriem, deslumbradas. Este velho mundo é um mundo novo. Um corajoso mundo. Um ousado amanhecer de um novo dia. Uma nova vida pra mim.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Do findar-se

(Por Leandro Oliveira)

É um não querer, mais que bem querer, ou não querendo de fato. Ele insiste sempre naquilo que de cara não gosta. Tudo que é gelado, gosto amargo, dá coceira quando jogado na cara. Não se sente parte, não se encontra, mas alguma coisa o prende aquela realidade que findara só então.

Findou. Acabou. Escafedeu-se. Passou. U-HUL!

Estranho foi passar aquele tempo ali, semi-inerte, com a sensação de que frutos poderiam ter rendido em outra plantação. Ah, vício de insistir em qualquer coisa que não se sabe onde pisa. Dá nisso. Esse querer – não querendo. Essa vida de mão dupla. Essa agonia.

Mas agora teve fim. Puf. Créu. Ping. Pong. Bluft.

Opa! Escorreu das mãos que quase não se possui um insistir. E este, tão viciado nisto, aprende hoje que desta vez não. Jamais. Não se pode. Não se mede nem define. Não vai.

O insistir deste jovem mancebo de bochechas rosadas, sorriso espontâneo e caráter duvidoso volta o seu canalizar, após longas madrugadas vagas, aquilo que sempre: a) Movimentou. b) Impulsionou. c) Alavancou. d) Amou.

É isto, não-querer. Falou pra ti. Dê-me uma ponte à paixão e eu te darei o mundo.