segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Aula de teatro

Por Haroldo França

Dessa vez, a orgia foi um pouco menos romântica. Agora, era chegada a hora de experimentar uma modalidade um pouco diferente: o sado-masoquismo.

Primeiro, começamos com casais, que faziam um sexo furioso, com clima de campo de batalha. Depois, a coisa foi esquentando, e ficou três contra um, no meio da roda. Confesso que eu não estava muito acostumado com essas coisas meio sádicas, mas ainda assim tenho que admitir que foi muito gostoso. O grupo foi se empolgando, era muita gente excitada ao mesmo tempo, e as respirações ficaram cada vez mais ofegantes. Corpos suados no chão rolavam, pulavam, gemiam, gritavam, se enfrentavam e derrubavam uns aos outros, com brutal animalidade, mas ao mesmo tempo, com o carinho e o cuidado de quem se ama. Um arrepio subiu pela espinha, deixando meus pêlos ouriçados. Era o gozo, fruto da intimidade que construímos a cada dia, sussurrando ao ouvido que a qualquer momento poderia pegar a todos de surpresa. Nesse instante, nos tornamos platéia. No meio da sala, restava um casal, brutal, animal, vendaval, homossexual. Cada um de nós se voltou para sua própria intimidade, em busca do prazer, sem se desligar do que estava acontecendo, é claro. Os olhos de cada um estavam vivos, sedentos por cada movimento que acontecia ali. Sedentos por química.

Participar daquilo era como ser coberto de mordidas, do pé até a cabeça. Uma confusa excitação. Uma viagem, da Lua até o Sol. Uma tentativa de equilíbrio entre a Deusa do Amor e o Deus da Guerra, com passos firmes para não cair, e sem perder o foco daquilo que move toda essa paixão: o jogo.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Odete Mateus

Por Delianne Lima

Até hoje não entendo a existência de Odete Mateus. Sinto que alguns cultivavam o hábito de mentir, quando perguntados sobre ela. Não conseguia saber ao certo se existia, ao menos. Parecia fruto de uma imaginação meticulosa.

Tive a sorte de vê-la uma vez. Não era lá minha rotina chegar cedo, mas como golpe do destino, cheguei. A vi sentada naquela grande cadeira preta. Rodava no estofado, enquanto lia algumas anotações deixadas à ela. Pensei que nunca chegariam ao destino. Seus óculos. Ah, estes escorregavam pelo suor de seu nariz arredondado. Um dia me disseram que ela veio do sul, daí a explicação do seu suor habitual: não havia se adaptado ao calor do Norte.

Seu cabelo não emoldurava seu rosto amarelado, pois o tamanho não permitia. Roupas de executiva, contrariando aquele calor efusivo. Sapatos vermelhos. Gostei dos sapatos vermelhos. Odete me remete ao vermelho.

Porém, não vamos perder a linha de raciocínio (como se este pudesse materializar-se em uma simples linha): o trabalho era em um escritório. Meu papel de jornalista resumia-se às vezes no de um simples auxiliar administrativo.

Meu chefe gostava de se sentir chefe. Algo brilhava em seu interior ao ouvir essa palavra. Mas ás vezes mal conseguia falar normalmente. Sua fala rápida, muitas vezes não se permitia entender. Em seus bilhetes, aqueles símbolos estranhos necessitavam de minutos de plena concentração - e vontade - para serem entendidos. Porém, toda aquela pose tinha um motivo: medo. Medo de perder a posse, a pose, a pompa. Odete Mateus era sua grande rival. Rival em vários sentidos, diria. Na política, principalmente. E como o escritório encontrava-se em um local onde a politicagem era tão habitual quanto o café-com-leite, Denis perdia.

Denis não soltava o orgulho, não o deixava de lado em nenhuma ocasião.

No dia em que avistei os sapatos vermelhos de Odete, Denis havia faltado o dia de trabalho. Então, aproveitei para comprar algo bom para comer no intervalo. Enquanto ainda bebericava o resto de café-com-leite que havia comprado, abri a porta do escritório para voltar à labuta. Avistei o grande estofado preto de Odete. Mas havia alguém sentado, que não era Odete. Dei alguns míseros passos até chegar perto. Vi os sapatos vermelhos. Odete estava no chão, do lado do estofado, descalça.

Denis me olhou vitorioso, calçando os sapatos vermelhos.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Assim caminha a humanidade

É legal quando nos detemos a falar de defeitos, de erros, de situações onde as pessoas falham, aí dizemos, é humano. É humano perder o foco da atenção e entregar a energia para as lajotas da sala, as vezes. É humano sentir um leve desiquilíbrio, e até cair, desmontando o corpo de forma cômica. É humano não ter força para aguentar tudo, e se sentir incapaz. É humano ter limites.

Ser animal também é ser humano. Afinal, somos primatas, somos mamíferos, somos artistas. É humano perder o controle sobre si e avançar contra o próximo, destroçando sua carne. É humano não ter limites. É humano ser desumano, as vezes.

Em certas situações, quando estamos no limite da existência, somos humanos, somos vítimas, somos cruéis. Quando falta o ar, quando falta o sangue, ou o fôlego de algo mais íntimo de realização, quando a morte se apresenta... Sentimos o que é ser humano. É desumano.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Dos três

(por Renata C.)


O primeiro:
- Não volto mais, é perda de tempo.
O segundo:
- O caso não é voltar. É preparar-se desde já.
O terceiro:
- Pode ser, mas de mim ninguém escapa.

O primeiro:
- De mim é que fogem.
O segundo:
- Se não parecesses tanto com um fantasma, não precisariam tanto de mim.
O terceiro:
- Besteira! Deixem de 'mim', o fato será sempre eu.

O primeiro:
- Tu? Ah, às vezes lamento por ti, objeto de obsessão.
O segundo:
- Isso é. Até me esquecem!
O terceiro:
- Não te deprimas, tu sabes que sem um o outro não existe.

O primeiro:
- Compraste tabaco?
O segundo:
- Não, não quero. E tu?
O terceiro:
- Não me perguntes nada. Sou o inefável momento da surpresa.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

(Por Haroldo França)

Parecia ser uma punheta como outra qualquer. Deveria ser. Os azulejos da parede do banheiro eram os mesmos de 20 anos atrás. Seus desenhos sugeriam plantas enroscadas umas nas outras; e meus pensamentos se enroscavam nas pernas de Diana. Que pernas! Aliás, que mulher! Era, definitivamente, a mulher mais GOSTOSA que eu já havia visto, nua, diante de mim, assim, ao vivo, em toda a minha vida. E não eram apenas as pernas, mas tudo, tudo nela era lindo! E o fato de ser linda e gostosa não era tudo. Havia o principal: Ela era minha. Só minha. Todinha, da cabeça aos pés, pra mim!

Meus pensamentos não se deliciavam apenas no ato de lamber aos poucos sua pele morena; o gozo também vinha da felicidade advinda do fato de que eu, finalmente, tinha a quem comer! Que maravilha! Minhas mãos gritavam: "Eu sou um homem realizado!". Um pau solitário, acolhido com calor e carinho, numa cova linda e molhada!

E a forma como ela se entregava, ah, Diana! Seria tão perfeito... Tão perfeito se eu a amasse profundamente. Mas naquele dia, precisamente, naquela punheta, minha imaginação masturbativa foi violentamente desviada. O sorriso safado da Diana se dissolveu aos poucos, e, como num rádio mal-sintonizado, fui assombrado pela voz de um fantasma: A ex.

Aos poucos, as plantas dos azulejos cresceram, e, como mil cascavéis, prontas para dar o bote, se enroscaram em mim, num labirinto de treva. Karina não era exatamente gostosa. Nem sabia dar direito. Também tinha uns pneuzinhos, que... bem, eu confesso que gostava disso. Mas tinha uma bunda meio chata, meio quadradona, mas... bom... eu admito que gostava disso também. E aqueles peitinhos pequenininhos, bicudinhos... E aqueles dentes separados na frente, que em qualquer uma ficariam feios, mas no sorriso dela eram tão... Ah, droga! Tem algo nessa mulher, acho que é macumba, que me persegue desde que terminamos, há oito meses! Será que ela nunca vai me deixar em paz? Nem no meu próprio banheiro?

Eu já deveria estar ali ha um bom tempo... pingava de suor, e parecia que o pau se mantia rígido não por excitação, mas por uma angústia confusa e canalha. Os pensamentos se confundiam, eu já não sabia mais em quem pensar, Diana-karina, Karina-diana, a bunda da Diana, a boca da Karina, a buceta da Diana, o boquete da Karina, ai minha Nossa Senhora, era um cruzamento de imagens confusas, tortas, desejáveis, torturadoras, sensuais, quentes, vaginas, mamilos, decotes, Karinas, Dianas e Aaaaahhhhhhhhhhhhh!... A mulher da propaganda de cerveja salvou a gozada.

E a porra jorrou como lágrima, veneno, ácido clorídrico a dissolver o enroscar das plantas, dos sonhos, do amor.

Boas notas!

(Por Haroldo França)

-Eu tenho que tirar 9 nessa prova! Ou vou acabar repetindo de ano... Por que a gente tem que se preocupar tanto com as notas, hem?

-Bom, acho que o propósito de ir à escola é tirar boas notas. Então, quando a gente entrar no convênio, onde o propósito é estudar bastante, a gente tira boas notas e passa no vestibular. E o propósito de passar no vestibular é tirar boas notas na faculdade, pra se formar e poder fazer a pós-graduação. E o propósito disso é se dedicar muito para tirar boas notas! Assim, você pode conseguir um emprego e ter sucesso, e daí você pode se casar. E ter filhos para mandá-los à escola pra tirar boas notas. E assim, eles vão pro convênio pra tirar boas notas pra irem pra faculdade e estudarem muito...