segunda-feira, 31 de julho de 2017

Estranha

Duas da tarde. Um ponto de ônibus. Duas mulheres. Uma jovem e uma velha. Apenas duas mulheres, num ponto de ônibus no meio do nada, em uma gigantesca estrada vazia, onde o sol fazia tudo parecer de um brilho incômodo aos olhos.

A mais velha usava colírio, e a mais nova, óculos escuros.

Duas mulheres absolutamente estranhas uma para a outra.

Por ser domingo, o ônibus demorava mais que o normal, e nenhuma das duas tinha condições de pegar um Uber. Na verdade, a mais velha ainda não sabia o que é Uber, mas se pudesse, chamaria um taxi. Ou um mototaxi. Quem sabe até um bicitaxi ou taxicleta, como chamavam no interior do Piauí, onde morou por alguns anos, onde hoje existe Uber bike. Mas não havia dinheiro para nenhuma das opções anteriores, e, pensando bem, o ponto de ônibus até que estava interessante.

 A mulher mais nova tinha um nariz que muito lembrava o de seu marido. O marido da velha, no caso. A velha não ficou em paz com esse nariz. Ela estava viúva. Havia um dia. Esse nariz provocou um misto de agonia, saudade e excitação. “Certamente, um nariz piauiense”, disse para si mesma. E o desvio de septo tinha um charme particular que muito lembrava o falecido.

Então, pensou em meter o seu nariz, quer dizer, fazer algo para se aproximar da moça, embora não soubesse exatamente até que ponto queria chegar. Nunca foi lésbica, mas aquilo era diferente. “Não vou olhar muito”, pensou. “Ela pode perceber”.

A mais nova, por outro lado, simpatizou com a velha. Por trás das lentes escuras, percebeu o olhar nada discreto da outra. Nunca teve problema em se relacionar com outras mulheres. Nem com velhas. Na verdade, dependendo do pagamento, não havia problema em se relacionar com ninguém. Mas olhar daquela senhora em sua direção tinha algo de diferente. Era um olhar que a fazia se sentir, de certa forma, especial. Como se houvesse algo em seu rosto digno de grande atenção.

A velha, não sabendo o que fazer, pensou em tocá-la, mas isso seria muito invasivo. Cogitou, então, simular uma queda para ser socorrida por ela antes de chegar ao chão, mas pensou que talvez ela fosse indiferente, o que seria muito arriscado, levando em conta a osteoporose. Por último, pensou em pedir ajuda para atravessar a rua, mas isso não faria sentido, já que o ônibus não passava do outro lado.

“Aqui que passa o ônibus pro centro?” – A mais nova foi quem tomou a atitude de aproximação. Bastaram dois minutos pra que elas deixassem de ser estranhas, e bastou um ônibus passar pra que elas nunca mais se vissem.