sábado, 12 de setembro de 2009

Folia

Por Haroldo França

As pessoas pareciam se divertir. Eu estava na fila, de cabeça baixa, observando os tênis... E indagava qual o motivo de meus pés terem me levado até ali. Diversão? As pessoas não pareciam se divertir.

E a imagem dos pés ficou úmida, embaçada. E os cadarços que me prendiam até então foram se desamarrando dolorosamente. E uma luz invadiu o meu coração, e me desmoronou.

Essa luz me fez arriscar, e andar descalço nessas ruas quase desertas do divertir-se.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Macaca

Por Delianne Lima


Passos estranhos de uma ruiva de farmácia. Não era loira oxigenada, seria pior. Tinha um quê de fantástico naqueles gestos. “Uma macaca, parece” – pensei. Do mesmo jeito quis chegar mais perto, quem sabe. Quase que automaticamente me pus a observá-la de maneira contínua. Percebendo, me retornou os olhares sorridentes. O suor demonstrava o prazer que sentia ao dançar seus passos que chegavam ao calor do bizarro.

Gostei de olhar, sentir aquela alegria de um forró dançante e ruim. “Ela gosta”, meus pensamentos fluíam como a cerveja em minha garganta. Era suave. Nem forte, nem fraco: suave. Chegou perto, convidando-me a entrar em sua dança excêntrica. Senti vontade de dividir aquela alegria e entrei nos movimentos. Agora eram duas macacas, felizes. Ela, vinda do Pernambuco, com seus traços de plástica e anos de vida. Eu, belenense de raiz, mas com faces italianas e portuguesas. Sangues holandeses, negros e indígenas misturados em um só indivíduo. Completamente brasileira, diria eu.

Observando-a, sentia como se tivesse perdido o dom da dança – no que eu costumava me destacar. Os passos chegavam ao obsceno-ridículo, convidando-me a remexer meus quadris como ela. Como estava ali de passagem, sem me preocupar com maiores fatores, resolvi entrar no seu ritual particular. Algo de belo era mesclado com a estranheza grandiosa do momento.

Meus ouvidos já reagiam com sorrisos às melodias desafinadas com batidas irritantes. “Vamos, assim. Isso, desse jeito!”, dizia a ruiva. “Vou ao banheiro”, completou com um olhar fulminante e convidativo.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Líquido

Por Haroldo França

Era um pingo de gente, deslizando numa correnteza fortíssima de gente em direção ao agora. Desaguam na contemplação do tempo presente, e do caro consumo da quantidade. Era um pingo de gente. Todos falavam, falava, falavam, e o conteúdo não importava (tinham plugs no lugar de órgãos genitais; assim poderiam fazer o verdadeiro "sexo seguro", no qual seria possível a mera conexão sem sentimentalismos ou o risco da desilusão amorosa). Pingos de gente. E entre eles, surgia um, surgia ela. A gota. O que a fazia diferente dos outros? Não era apesas o estilo musical, ou suas roupas, ou sua beleza física, tampouco a inteligência. Era inexplicável. O que fazia essa gota ser "alguém" era uma conexão mais profunda e espiritual do que a almejada pela massa. É a sensação de estar com alguém especial, com quem se construiu alguma coisa, que significa alguma coisa. O que faz alguém na multidão se tornar "alguém", de fato, com quem você se importaria além de você mesmo no caso de uma catástrofe que pusesse em perigo a vida de todos; não é mera afinidade. É amor.