sábado, 17 de outubro de 2009

A náufraga

Por Haroldo França

Sim, sim... é verdade. Fazem tantos anos (riu-se timidamente. Seus dedos foram ao rosto, seguidos de um silêncio adulto, em uma expressão riscada pelo vago sabor de muitas vivências)... Foi quando eu trabalhava na Marinha.

Ela ralhava com a gente, profanando palavrões que saíam de sua boca como plumas adocicadas. E não era nem questão de ser sensual, era questão de ser tão tchucurucurutchuza!
(Autor desconhecido, sobre ela, que conheço bem)

Estávamos, toda a trupilação - mais unida que nunca! - navegando em um mar de livros. Corria um boato de que esses livros contavam histórias de grandes heróis da guerra. Mas nunca pude ler nenhum deles. Nenhum de nós sabia ler. O capitão sempre tentava convencer-nos de que eram livros hereges, que conspiravam contra os ideais inquestionáveis da nação. Era perceptível que o capitão tinha muito medo de que algum de nós tomasse conhecimento dos escritos.

Nesse dia, o mar estava muito turbulento. Os livros ameaçavam nos engolir. A tripulação estava inquieta, num certo misto de medo e excitação. Quando olhamos para o capitão, ele usava uma peruca de cor avermelhada, que o deixou levemente parecido com a Rita Lee (cantora). Tentava nos acalmar, lembrando-nos de que estávamos servidos de um excelente serviço de bordo, com muito festim diabólico, rum, moloko, e mulheres sem pêlos pubianos.

(Apesar do serviço de bordo sempre muito farto, não tinha como não reparar na cara de paisagem das pessoas... era uma paisagem tão azul, vazia, sem esperanças de terra à vista... Um horizonte no qual o sol de todos já havia se escondido há muito tempo. Éramos tripulantes sem ânimo, sem fôlego, sem escrúpulos e, o pior de tudo, sem desodorantes)

-Ê, galere, que cara de desânimo é essa? Deixem de melindres, e vamos logo bater essa cerveja na foto do copo! - Exclamava o capitão, tentando nos acalmar, disque! Mas um silêncio constrangedor tomou conta de todo o navio... Até o vento parou de soprar, até os heróis dos livros se acalmaram, até as comissárias de bordo pararam de gemer, para contemplar o som monótono do ranger da madeira do Atalante (Tomei um susto! Permita-me explicar... Atalante era o nome do navio. É que acontecia o seguinte: não me pergunte o porquê, mas toda vez que esse nome era proferido, os tripulantes ao redor eram tomados por uma incontrolável taquicardia, e se punham a correr para todos os lados até se acalmarem).

O constrangimento foi tão intenso, e, acima de tudo, TÃO frustrante... afinal, o que todo mundo queria, de fato, ali, era uma nova aventura! O desânimo foi tal, que todos se retiraram para seus dormitórios. Nesse momento permiti a mim mesmo ficar na proa, deixar de ser marujo raso, e contemplar a imensidão literária do oceano. Foi quando vi um brilho diferente no horizonte. Imediatamente, gritei: "homem ao mar!", e toda a tripulação, ávida por aventura, ávida por algo novo, clamando por emoções externas, repleta de uma PUTA felicidade (e não o contrário) se movimentou na busca do brilho que vinha de longe. Jogamos uma rede, e capturamos o elemento. Era nada mais nada menos que um imenso pote de vidro. Todos estavam muito assustados, e curiosos, para saber que diabos era aquilo. O vidro estava embaçado, e, dentro dele, algo parecia se mexer (suspiro). Ah! Era ela!

Lembro com muito carinho até hoje (suas mãos enrugadas se fecharam entre suas finas e trêmulas pernas, recebendo o sopro de uma respiração carregada de nostalgia e sentimentos). Guardo o pote em minha cabeceira, e todas as manhãs, no raiar do sol, retiro a tampa, e ouço a sua voz como um sopro suave da brisa do mar:

-Você-é-trassshhh!

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

No limite do azul

Por Leandro Oliveira

E dentro desse tempo era azul, um bonito azul limiar, limite do azul.
Entender esse azul é belo e pleno, mas não passava de um azul.
E qual o problema com azul?
Nenhum, é somente o seu absolutismo que me preocupou durante esse tempo inteiro.
Faltou amarelo, verde, turquesa, e mais uma tela inteira de cores diversas. E o vermelho, logicamente.
Ah, o vermelho que eu (re) descubro agora, que é bom, é pleno, é gostoso, ai, uhn, ui... Oh!
(Ai, vergonha)
Voltemos ao lindo azul de meus melhores sentimentos por ti, que são plenos, tensos e maravilhosamente azuis cor de céu, nuvem, sorvete de chiclete e drink de barzinho de rua. E que é tão tão tão feliz de ser somente azul e se redescobrir como tal.
Agora é momento de partir para a alegre tristeza do arco-íris mundano.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

(des) esperança.

Por Delianne Lima

Como a mudança é grande, contingente, estridente. O nada não é o mesmo. Mensagens cítricas misturam-se na realidade nada adocicada do comum. Comumente, naturalmente.

Racismo, autoritarismo, preconceito e, sobretudo, o cinismo em namoro fátuo com a sinceridade.

Verdade. Fato. Igual, diferente, muda. A palavra, acima de tudo. Faca. Costumam chamá-la de faca. De dois gumes, talvez. Quem sabe.

Lágrimas de vento contra sentimentos recheados de uma grande variedade de ventanias e trovões. Tempestades às cabeças.

Sou forte. Forte como lágrima ao cair, despedaçando a confiança, o amor, envolvimento. Lá se foi, se vai a angústia de mãos dadas com a (des) esperança.