quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Doce Coração (saudade mata!)

Quando você provar do meu coração, me dirá o doce que a vida é. Quando provar meus olhos, enxergará tudo o que eu sempre quis te dizer. Quando provar de minhas orelhas, vais sentir o quão suave é a nossa música. Mas quando provar do meu nariz, vai sentir gosto de bostela.

(...)

-Estela! Estela! Desça já daí, amada! Veja que me vesti em trajes adequados para te levar embora daqui! Estela! Estela!

-O que desejas aqui, reles mecânico?

-Vim buscar a Estela. Estelaaaa! Esteeeelaaaa! Me ouça!

-A sinhá não está recebendo visitas. Caia fora daqui, antes que eu tenha que chamar os cachorros. Ou então, ligar para o corpo de bombeiros. Ou então, descer até aí e resolver tudo isso com minhas próprias mãos.

-ESTELAAAA!

-Você vai me obrigar a resolver essa situação com covardia e força bruta? Eu acho desnecessário...

-ESTEEELAAAAA, ESTEEELAAAA!

-Já disse que ela não vai descer, rapaz! Tenha juízo, salve sua vida! Junte sua mala de ferramentas, e vá logo embora!

-ESTELA! ESTELA! ESTELA! ESTELA! ESTELA!

-Pérfido, idiota, assassino, ininterrupto! Eis o momento em que a minha paciência se esgota! Me obrigas a tomar atitudes violentas, cruéis e desumanas!

-EEEEESSSSSTELAELAELAELAELAELAELAELA

-Ponho-me a preparar o grande ritual da chuva de canivetes! Agora já é tarde demais! As lâminas cairão dos céus e perfurarão teus olhos, teu nariz e o teu coração!

-ESTELA, ELA Ê, Ê, Ê, UNDER MY...

-Que se inicie o ritual! Que a cadência furiosa dos deuses de deposite das nuvens do céu sobre a grama da terra! A partir desse instante, tudo se tornará graxa e sangue!

-ME DÊ UM E! EU QUERO UM S!...

-VEM CATÁ RIO DE SALSA MOIÇAMBÁ ÔÔÔÔ TUBIÊ, TUBLIÊ MACHU, ÚUU, BATICUNDUM...

-ESTELA, CADÊ VOCÊ? EU VIM AQUI SÓ PRA TE VER

-TRAMANDA FUNESJIO CATABENDUS ROMPTUPTURANDES, BONGO TRABANGO LINDU CARANDIRU, PRAÇA DA SÉ VIRANDO MENINA BACANA

-ESTELA! DESCE LOGO DAÍ, CARALHO!

-HAHAHAHA! AGORA! AGORA É O FIM! AS NAVALHAS JÁ COMEÇARAM A CAIR! TENS APENAS CINCO SEGUNDOS DE VIDA!

-ESTEEEELAAAA, MEU AMOOOOR, VIM TE BUSCAAAAAR...

(...)

Vejo meu amado pela janela. E sei. Sei que seu coração ainda está a pulsar por mim. Cinco batidas. Sei que eu deveria ter tido a coragem de sair daqui. Mas, por mil demônios, meu corpo pesa demais, não consigo levantar! Será que o amor é passível de esquecimento? Será possível que ele tenha se esquecido de que eu sou paralítica desde a infância? Não consigo alcançar a maçaneta! Maldita Irene! Me arrependo amargamente do dia em que a contratei como governanta deste maldito galinheiro! Nunca a perdoarei por ter usado minha cadeira de rodas para transportar ovos contrabandeados... Nunca! Maldita... um dia (e esse dia há de chegar!) eu me vingarei. Vingarei minhas pernas, e o meu amor. Sei que quando as pontas que vem do céu chegarem perto, elas virão e verão o quão injusto é matar quem clama por paixão. Se sentirão culpadas, se sentirão sujas, lambidas, e perceberão que há sete mil jantares não sabem o que é bombril. E quando tocarem o seu corpo, será o último toque capaz de sentir o quão doce é o sabor do seu coração (uma chuva de flechadas de um cupido diabólico).

Socorro, amor! Meu nariz está gelado e seco!

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