terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Odete Mateus

Por Delianne Lima

Até hoje não entendo a existência de Odete Mateus. Sinto que alguns cultivavam o hábito de mentir, quando perguntados sobre ela. Não conseguia saber ao certo se existia, ao menos. Parecia fruto de uma imaginação meticulosa.

Tive a sorte de vê-la uma vez. Não era lá minha rotina chegar cedo, mas como golpe do destino, cheguei. A vi sentada naquela grande cadeira preta. Rodava no estofado, enquanto lia algumas anotações deixadas à ela. Pensei que nunca chegariam ao destino. Seus óculos. Ah, estes escorregavam pelo suor de seu nariz arredondado. Um dia me disseram que ela veio do sul, daí a explicação do seu suor habitual: não havia se adaptado ao calor do Norte.

Seu cabelo não emoldurava seu rosto amarelado, pois o tamanho não permitia. Roupas de executiva, contrariando aquele calor efusivo. Sapatos vermelhos. Gostei dos sapatos vermelhos. Odete me remete ao vermelho.

Porém, não vamos perder a linha de raciocínio (como se este pudesse materializar-se em uma simples linha): o trabalho era em um escritório. Meu papel de jornalista resumia-se às vezes no de um simples auxiliar administrativo.

Meu chefe gostava de se sentir chefe. Algo brilhava em seu interior ao ouvir essa palavra. Mas ás vezes mal conseguia falar normalmente. Sua fala rápida, muitas vezes não se permitia entender. Em seus bilhetes, aqueles símbolos estranhos necessitavam de minutos de plena concentração - e vontade - para serem entendidos. Porém, toda aquela pose tinha um motivo: medo. Medo de perder a posse, a pose, a pompa. Odete Mateus era sua grande rival. Rival em vários sentidos, diria. Na política, principalmente. E como o escritório encontrava-se em um local onde a politicagem era tão habitual quanto o café-com-leite, Denis perdia.

Denis não soltava o orgulho, não o deixava de lado em nenhuma ocasião.

No dia em que avistei os sapatos vermelhos de Odete, Denis havia faltado o dia de trabalho. Então, aproveitei para comprar algo bom para comer no intervalo. Enquanto ainda bebericava o resto de café-com-leite que havia comprado, abri a porta do escritório para voltar à labuta. Avistei o grande estofado preto de Odete. Mas havia alguém sentado, que não era Odete. Dei alguns míseros passos até chegar perto. Vi os sapatos vermelhos. Odete estava no chão, do lado do estofado, descalça.

Denis me olhou vitorioso, calçando os sapatos vermelhos.

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