Naquela manhã, dona Irene deixou as coxinhas queimando na frigideira. Com seu melhor vestido branco, desenterrou o batom da gaveta e se fez linda. Quando Lúcia, a filha lésbica, chegou em casa, encontrou apenas um bilhete: "Lourival me pediu em casamento. Estou em lua de mel. Não me esperem de volta". A cortina branca havia sido arrancada.
Com um ramo de flores roubadas do quintal da vizinha, dona Irene desfilava pelas ruas do vilarejo. Sorridente, seus olhos eram de uma vida que não os visitava há muitos anos. Algumas pessoas achavam graça, já outras ficavam desconcertadas com tão constrangedora liberdade.
Logo atrás do vilarejo havia um riacho de águas profundas. Era o riacho da infância de Irene. As pernas enrugadas entrando n'água. Um frio gostoso tomando conta de seus cabelos brancos. Uma dança suave em meio ao flutuar das flores. Um véu descortinando em câmera lenta o doloroso encontro de Irene com a Paz.
O sorriso de dona Irene era de uma delicadeza e doçura capazes de rasgar no meio um coração:
-Não fique triste, minha querida. Pegue aqui, na minha barriga. Você está sentindo? Não é lindo? Eu estou grávida... E é do Lourival... Tô esperando um filho do Lourivalzinho, moça.
Uma legião de filhos e netos a chorar. Quase todos. E não aconteceu uma, duas, ou três vezes. As tentativas de fuga da vovó Irene eram constantes. Arrumava um jeito de sair pela janela, enquanto os outros dormiam. Uma legião de filhos e netos sem dormir. Quase todos. Os comentários dos vizinhos eram impiedosos. As vendas caíram. Dona Irene passou a ser conhecida como a velha caduca de Sorriso.
Nove meses se passaram.
-Me deixem sair daqui! Preciso encontrar o Lourival! Preciso ter meu bebê!
Um choro de criança ecoou pela casa. Perplexos, os filhos abriram a porta do quarto. Vazio. Janela aberta. Sobre o retrato do falecido Lourival fixado na parede, uma mensagem deixada com batom vermelho:
"Amo você."