Sabe o que eu constatei, um dia desses? Parece coisa de louco ficar calculando esse tipo de coisa, mas... Fazem três semanas que eu não
abraço ninguém. Estranho, né? Não sei porque eu pensei nisso... Acho que tô
sentindo falta.
Sabe, tem uma pessoa no meu trabalho que é muito legal... A
Dona Valquíria. Ela é uma senhorinha muito simpática, lá da administração. Eu
gosto dela de graça. Todo mundo gosta. Sempre que eu a vejo sinto vontade de
abraçar. Ela tem cara de que dá aqueles abraços gostosos de vó, sabe? Desses
demorados, verdadeiros, carinhosos. Acho que é o que eu ando precisando.
No
início dessa semana, o meu chefe brigou comigo. Ele gritou. Ele é um cara
complicado. Difícil de lidar. Eu fiquei desestabilizado. Senti vontade de
chorar. Eu sei que parece exagero querer chorar por causa de um esporro do
chefe, mas eu já tinha um monte de coisa acumulada na garganta. Saudades daí.
Vontade de estar aí, abraçando todo mundo, toda hora, sem nem me dar conta do
quanto isso nos torna mais felizes.
Então eu senti muita, muita vontade de
chorar. Mas não tinha onde. Se eu fosse chorar no banheiro todos iam ver a
minha cara inchada depois. Não ia pegar bem. Aí me passou pela cabeça pedir um
abraço da dona Valquíria. Foi quando eu percebi que eu tava realmente carente
disso, sabe? De alguém que me abraçasse de verdade. De repente eu comecei a
ficar muito mal. A cada vez que algum funcionário aleatório passava por mim,
dava vontade de levantar e pedir um abraço, assim, sem mais nem menos, sem
falar nada. Acho que era o que eu deveria ter feito. Talvez eles também precisassem disso.
E foi aí que eu decidi: Iria procurar a dona Valquíria. Ela iria me entender.
Pelo menos eu achei que iria. Liguei no ramal dela e ninguém atendeu. Então saí
da minha sala sem avisar ninguém. Fui até a bancada dela, e soube que ela
estava de licença-saúde. Quebrou o braço. Foi assaltada, os bandidos a
derrubaram no chão e ela quebrou o braço na queda, tadinha. Dá pra acreditar?
Ela vai passar não sei quantos meses afastada.
Sabe... As vezes eu me pergunto
onde é que eu vim parar. Essa cidade é violenta demais. Sei lá, dá até medo.
Mas eu sei que vai valer a pena. No final das contas, estar aqui é melhor pra
mim. Vai ser melhor pro meu futuro. É... vai, sim. Esse emprego é promissor.
Ah, mas depois passou. Isso tudo. Foi só um momento ruim. Uma neura. Sabe como
é que eu sou, né? Eu tenho dessas fases, assim, do nada. Depois voltei ao
normal. Voltei a ter bom humor, e tal. Mas no mais, tá tudo bem, sim. Tô com
muita saudade. Saudade dos teus abraços. Eu te amo, viu? Mal posso esperar
chegar o feriado pra gente poder se ver. Amor? Tá me ouvindo? Alô... Alô? ...
Amor?
(Por Haroldo França)